A ORGANIZAÇÃO DA VIDA DE ESTUDOS NA UNIVERSIDADE
Antonio Joaquim Severino
Ao dar início a essa nova etapa
de sua formação escolar, a etapa do ensino superior, o estudante dar-se-á
conta de que se encontra diante de exigências específicas para a continuidade
da sua vida de estudos. Novas posturas diante de novas tarefas ser-lhe-ão logo
solicitadas. Daí a necessidade de assumir prontamente essa nova situação e de
tomar medidas apropriadas para enfrentá-la.
É claro que o processo pedagógico-didático continua assim como a
aprendizagem que dele ocorre. No conjunto, porém, as suas posturas de estudo
devem mudar radicalmente, embora explorando tudo o que de correto aprendeu em
seus estudos anteriores.
Em primeiro lugar, é preciso que
o estudante se conscientize de que doravante o resultado do processo depende
fundamentalmente dele mesmo, seja pelo seu próprio desenvolvimento psíquico e
intelectual, seja pela própria natureza do processo educacional desse nível, as
condições de aprendizagem transformam-se no sentido de exigir do estudante
maior autonomia na efetivação da aprendizagem, maior independência em relação
aos subsídios da estrutura de ensino e de recursos institucionais que ainda
continuam sendo oferecidos. O aprofundamento da vida científica passa a exigir
do estudante uma postura de auto-atividade didática que será sem dúvida, crítica
e rigorosa. Todo o conjunto de recursos que está na base do ensino superior não
pode ir além de sua função de fornecer instrumentos para uma atividade
criadora.
Em segundo lugar, convencido da
especificidade dessa situação, deve o estudante empenhar-se num projeto de
trabalho altamente individualizado, apoiado no domínio e na manipulação de uma
série de instrumentos que deve estar contínua e permanentemente ao alcance de
suas mãos. É com o auxílio desses instrumentos
que o estudante se organiza na sua vida de estudo e disciplina sua vida
científica. Dado ao novo estilo de trabalho a ser inaugurado pela vida
universitária, a assimilação de conteúdos já não pode ser feita de maneira
passiva e mecânica como costuma ocorrer, muitas vezes, nos ciclos anteriores.
Já não basta a presença física às aulas e cumprimento forçado de tarefas
mecânicas: é preciso dispor de um material de trabalho específico à sua área e
explorá-lo adequadamente.
1. Os instrumentos de Trabalho
A formação universitária acarreta
quase sempre atividades práticas, de laboratório ou de campo, culminando no
fornecimento de algumas habilidades profissionais próprias de cada área. Naturalmente, as várias áreas exigem, umas
mais, outras menos, essa prática profissional. Contudo, antes de aí chegar,
faz-se necessário um embasamento teórico pelo qual responde, fundamentalmente,
o ensino superior. Essa fundamentação teórica das ciências, das artes e das
técnicas é justificativa essencial desse nível de ensino. E é por aí que se
inicia a tarefa de aprendizagem na universidade.
A assimilação desses elementos é
feita através do ensino em classe propriamente dito, nas aulas, mas é garantida
pelo estudo pessoal de cada estudante. E é por isso que precisa ele dispor dos
devidos instrumentos de trabalho que, em nosso meio, são fundamentalmente
bibliográficos
Ao dar início a sua vida
universitária, o estudante precisa começar a formar sua biblioteca pessoal,
adquirindo paulatinamente, mas de maneira bem sistemática, os livros
fundamentais para o desenvolvimento de seus estudos. Essa biblioteca deve ser
especializada e qualificada. Essa bibliografia deve ser especializada e
qualificada. As obras de referência geral, os textos clássicos esgotados, são
encontrados nas bibliotecas das universidades, das várias faculdades ou de
outras instituições. E, no momento oportuno, essas bibliotecas devem ser
devidamente exploradas pelo estudante. O estudante precisa munir-se de textos
básicos para o estudo da sua área específica, tais como um dicionário, um texto
introdutório, um texto de história, algumas revistas especializadas, todas as
obras específicas à sua área de estudo e áreas afins. Posteriormente, à medida
que o curso for avançando, deve adquirir os textos monográficos e
especializados referentes à matéria.
Esses textos básicos aqui
assinalados têm por finalidade única criar um contexto, um quadro teórico geral
a partir do qual se pode desenvolver a aprendizagem, assim com a maturação do
próprio pensamento. Esses textos exercem, portanto, papel meramente propedêutico,
situando-se numa etapa provisória de iniciação. Não se trata de maneira alguma de restringir o estudo aos manuais ou, pior ainda, às apostilas. Eles se fazem
necessários, contudo, nesse momento de iniciação, sobretudo para complementar
as exposições dos professores em classe, para servir de base de comparação com
algum texto porventura utilizado pelos professores, enfim, para fornecer o
primeiro instrumental de trabalho nas várias áreas, o vocabulário básico, os
elementos de código das várias disciplinas. Esses textos desempenham, pois, o
papel de fontes de consultas das primeiras categorias a partir das quais se
desenvolverão os vários discursos científicos. Naturalmente, à medida do avanço
e do aprofundamento do estudo, serão progressivamente substituídos pelos textos
especializados, pelos estudos monográficos resultantes de pesquisas elaboradas
pelos vários especialistas com os quais o estudante deverá conviver por muito
tempo. Numa fase mais avançada de seus estudos, e sobretudo durante sua vida
profissional, esses textos formarão a biblioteca do estudante, lançando as
linhas mestras do seu pensamento científico organicamente estruturado. Nesse
momento, os textos introdutórios só serão utilizados para cobrir eventuais
lacunas do processo sequencial de aprendizagem.
Frise-se porém, que, na universidade, não se pode passar o tempo todo
estudando apenas textos genéricos, comentários e introduções, embora, pelo menos nas atuais condições, iniciar o curso superior única e
exclusivamente com textos especializados, sem nenhuma propedêutica teórica,
seja um empreendimento de resultado pouco convincente.(...)
Deve ser igualmente estimulada
entre os universitários, de maneira incisiva, a participação em acontecimentos
extra-escolares, tais como simpósios, congressos, encontros semanais, etc.
Dentre os instrumentos de
trabalho científico disponíveis atualmente, cabe dar especial destaque aos
recursos eletrônicos gerados pela tecnologia informacional. De modo especial,
cabe referir à rede mundial de computadores, a Internet, e aos muitos recursos
comunicacionais da multimídia.
2. A exploração dos instrumentos de trabalho
Esse material didático científico
deve ser considerado e tratado pelo estudante como base para seu estudo
pessoal, que complementará os dados adquiridos através das atividades de
classe. Uma vez documentada a matéria abordada em aula, devem ser igualmente
documentados os elementos complementares a essa matéria e que são levantados
mediante a pesquisa feita sobre este material de base. É que muitos
esclarecimentos só se encontram
através desses estudos pessoais extraclasse.
A documentação como prática do
trabalho científico é a maneira mais adequada e sistemática de “tomar
apontamentos”. As informações colhidas nas aulas expositivas, nos debates em
grupo, nos seminários e conferências são assinaladas, num primeiro momento de
maneira precária e provisória, nos cadernos de anotações. Ao retomar em casa,
as anotações, o estudante submetê-las-á a um processo de correção, de
complementação e de triagem após o qual serão transcritas as fichas de
documentação. Com efeito, ao tomar notas durante uma exposição, muitas ideias
acabam ficando truncadas: é preciso reconstruí-las. O contexto ajudará tanto
mais o que importa reter não é o texto da exposição do professor, mas as idéias
principais.
3. A disciplina de Estudo
Apesar da aparente rigidez desta
proposta de metodologia de estudo, ela é, sem dúvida, a mais eficiente.
Pressupõe um mínimo de organização da vida de estudos, mas, em compensação, torna-se
sempre mais produtiva. Em virtude de os universitários brasileiros, na sua
grande maioria, disporem de pouco tempo para seus cursos e exercerem funções
profissionais concomitantes ao curso superior, exige-se deles organização sistemática do pouco tempo
disponível para estudo em casa, indispensável para um aproveitamento mais
inteligente do seu curso de graduação, com um mínimo de capacitação qualitativa
para as etapas posteriores tanto numa
eventual sequência de estudos, como na continuidade de suas atividades
profissionais definidas e oficializadas pelo seu curso.
Não se trata de estabelecer uma
minuciosa divisão do horário de estudo: o essencial é aproveitar
sistematicamente o tempo disponível, com uma ordenação de prioridades. Também
não vem ao caso discutir as condições de ordem física e psíquica que sejam
melhores para o estudo, muito dependentes das características pessoais de cada
um, sendo difícil estabelecer normas gerais que acabam caindo numa tipologia
artificial.
Feito o levantamento do tempo
disponível, predetermina-se um horário para o estudo em casa. E uma vez
estabelecido o horário, é necessário começar sem muitos rodeios e cumprí-lo
rigorosamente, mantendo um ritmo de estudo. (...)
Tais diretrizes são aplicáveis
igualmente ao estudo em
grupo. Uma vez reunidos no horário combinado, os elementos do
grupo devem desencadear o trabalho sem maiores rodeios, definindo-se as várias
tarefas, as várias etapas a serem vencidas e as várias formas de procedimento.
Recomenda-se distribuir um tempo
de estudo para os vários dias da semana, com o objetivo de revisar a matéria ou
preparar aulas das várias disciplinas nos períodos imediatamente mais próximos
às suas aulas. Caso haja necessidade de um período maior de concentração, a
distribuição do tempo para as várias matérias levará em conta a carga de
trabalho de cada uma o e grau de dificuldade das mesmas.
Conclusão
Para acompanhar o desenvolvimento
do seu curso, o aluno deve preparar e rever aulas. O cronograma de estudo
possibilita ao aluno maior proveito da aula, seja ela expositiva, um debate ou
um seminário. Tratando-se da aula expositiva, até a tomada de apontamentos
torna-se mais fácil, dada a familiaridade com a matéria que está sendo exposta;
conseqüentemente, há melhores condições de selecionar o que é essencial e que
deve ser anotado, evitando-se a sensação de “estar perdido” no meio de
informações aparentemente dispersas.
A revisão da aula situa-se como a
primeira etapa de personalização da matéria estudada. É o momento em que se
retomam os apontamentos feitos apressadamente durante a aula e se dá acabamento
aos informes, recorrendo-se aos instrumentos
complementares de pesquisa, após uma triagem dos elementos que passarão
definitivamente para as fichas de documentação.
Não há necessidade, neste momento, de decorar os apontamentos: basta
transcrevê-los, pensando detidamente sobre as ideias em causa e buscando uma
compreensão exata dos conteúdos anotados. Rever essas fichas como preparação da
aula seguinte é medida inteligente para o paulatino domínio de seu conteúdo.
Fonte:
Severino, Antonio Joaquim.
Metodologia do trabalho científico. 22ª ed. São Paulo. Editora Cortez, 2002
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